CULTURA EM EXTINÇÃO - A história de dona Regina e seu amor pela cerâmica
Atualmente, apenas nove ceramistas da comunidade do São Gonçalo Beira Rio ainda produzem artesanatos de barros.
Domingo, 29 de outubro de 2023
Memórias de uma infância ao redor do barro que dava formas para vasos, objetos de decoração e até brinquedos. E de uma adolescência aprendendo a tradição passada de mãe para filhas, que na fase adulta, empreenderam no ofício que é parte da história cultural de Cuiabá: a arte da cerâmica. É assim um resumo da história de vida de dona Regina Maria Martins de Siqueira, que aos 62 anos e com a saúde frágil, e mesmo não atuando como ceramista há quase 40 anos, mantém vivo o amor por essa arte e suas lembranças como um legado para sua atual geração.
Regina nasceu e foi criada na comunidade São Gonçalo Beira Rio, onde os bandeirantes atracaram em suas embarcações e foi fundado o primeiro povoado da região, local em que o Rio Coxipó deságua no Rio Cuiabá, batizado de São Gonçalo, o berço da cultura mato-grossense. Ela é neta de sangue indígena coxiponês e a arte da cerâmica foi a sua avó que ensinou para a sua mãe e a tradição repassada para ela e suas irmãs.
“Sou de família grande, somos seis filhos, sou a caçula e com muitas dificuldades minha mãe conseguiu criar e educar todos nós com a sua pequena renda de trabalho, que era produzindo peças de cerâmica de barro. Hoje se fala argila, ofício que tive a oportunidade de aprender com a minha querida mãe, hoje falecida”, afirmou Regina.
Na época, elas produziam na comunidade e iam para a região do Porto de canoa, para vender os produtos na feira. Passavam o dia inteiro e voltavam pelo rio com algumas peças vendidas”, relembrou a ceramista.
A artesã afirma ainda que a comercialização dos produtos e divulgação dos trabalhos de ceramistas ficou mais fácil com a abertura da Casa do Artesão, localizada na região do Porto. “Tivemos um período muito bom, em que a elite cuiabana se interessou pelas peças e o trabalho que desenvolvíamos. Porém, sem o interesse das nossas gerações aprenderem esse ofício que requer muita dedicação, podemos dizer que, hoje, a arte da cerâmica está extinção e isso é muito triste”.
Atualmente, apenas nove ceramistas da comunidade do São Gonçalo Beira Rio ainda produzem artesanatos de barros. Vários fatores culminam para o desestímulo da continuidade desse ofício. O principal é a falta de valorização dos produtos fabricados.
Ela explica que não é um processo fácil o artesanato em cerâmica, demanda tempo para adquirir o barro, fazer a queima da cerâmica, a utilização do táua, que uma argila amarela diluída na água para pincelar a cerâmica. “Enfim, é um processo moroso e depois da peça pronta, infelizmente, o valor, na visão de quem deseja comprar, não se torna interessante. Não há valorização da categoria, dessa cultura e tradição das nossas origens”, lamentou.
Mesmo relembrando com muito saudosismo da época em que se dedicou para esta arte, Regina parou de produzir as peças há quase 40 anos, pouco tempo depois que se casou para cuidar do casal de filhos. Ainda assim, toda vivência permanece muito nítida e os filhos cresceram sabendo o quanto de amor a mãe nutre por esta arte.
“Os olhos de mamãe brilham quando fala de cerâmica até nos dias de hoje. Depois de criar a gente, veio o reumatismo na vida dela e sua saúde ficou fragilizada. Já não dava para ficar muito tempo perto do forno para a queima do barro. Enfim, conhecemos dessa arte pelas suas palavras, ensinamentos e lembranças”, disse Magsandra de Siqueira, filha da ceramista.
Envolta nesse amor pela arte do barro e a pluralidade de suas formas, dona Regina viu no voluntariado a possibilidade de repassar todo o seu conhecimento. Antes do reumatismo, chegou a ministrar cursos de cerâmica no centro de comunitário do bairro Chácara dos Pinheiros para a terceira idade. Também ofereceu curso, de forma gratuita, para crianças da educação infantil em uma escola particular da região, por uma semana, em comemoração ao aniversário de Cuiabá.
“Hoje os tempos são outros. Já não tenho saúde para estar na produção, requer muito de uma artesã e a comercialização não é tão valorizada. Mas, quero que minha voz e conhecimento, a partir das minhas memórias possam fazer chegar esse alerta a todos de que precisamos valorizar a nossa cultura e a arte da cerâmica pede socorro. O nosso legado não pode ser perder com o tempo”, finalizou Regina.
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