A 17 anos o Brasil dava adeus ao "Homem das Diretas" - Dante de Oliveira.

Dante de Oliveira faleceu precocemente, aos 54 anos de idade, em decorrência de agravamento do quadro de diabetes.


 Quinta-feira, 06 de julho de 2023 

O ano era 2006, quando Dante de Oliveira liderava as pesquisas para disputa a uma cadeira na Câmara Federal, no entanto, em dias de articulações para as eleições daquele ano, o Homem das Diretas fechou  os olhos pela última vez e a democracia brasileira perdeu um de seus grandes vultos.

Transcorridos 17 anos de seu adeus, uma legião de liderados sente sua ausência.

Em sua trajetória, o mato-grossense Dante de Oliveira – o Homem das Diretas - venceu muitas lutas, até que tombou vítima da traiçoeira doença chamada diabete. dos olhos do povo, Dante de Oliveira travava uma guerra permanente contra um inimigo que corria silencioso em suas veias: diabetes.

Na manhã de 6 de julho de 2006, o Homem das Diretas entrou caminhando e cumprimentando as pessoas no Hospital Jardim Cuiabá, em Cuiabá, em busca de atendimento. Seu quadro de saúde agravou-se rapidamente.

Durante 12 horas, uma equipe lançou mão de todos os recursos possíveis na tentativa de salvá-lo; tudo em vão.

A frieza do comunicado médico revelou que o paciente perdera a luta contra uma infecção generalizada, causada por pneumonia agravada com agudo quadro de diabetes.

Mato Grosso perdeu o convívio com a lucidez democrática de seu filho mais conhecido no Brasil, mas herdou o legado de uma das figuras mais respeitadas no mundo político nacional nas últimas décadas: Dante de Oliveira.

O corpo de Dante de Oliveira foi velado no saguão da Assembleia Legislativa e sepultado, com honras militares, no Cemitério da Piedade, em Cuiabá.

Seu velório reuniu figuras de todas as regiões de Mato Grosso e políticos de outros estados, inclusive, o vice-presidente da República, José Alencar.

No sepultamento, uma multidão entoou a Canção da América, de Milton Nascimento.

Dante de Oliveira nasceu em Cuiabá, no dia 6 de fevereiro de 1952.

Era filho de Sebastião de Oliveira, o Doutor Paraná, ex-deputado constituinte estadual no pós-ditadura Vargas, e de dona Maria Benedita de Oliveira.

Deixou a viúva Thelma de Oliveira, ex-deputada federal pelo PSDB e, posteriormente, prefeita de Chapada dos Guimarães.

Dante de Oliveira iniciou sua trajetória na vida pública em 1976, ano em que se candidatou, mas não conseguiu eleger-se vereador pelo MDB de Cuiabá, ficando na suplência da bancada emedebista, formada por Gilson de Barros, Odil Moura, João Torres e Aldísio Cruz. 

O resultado não o esmoreceu. Ao contrário, injetou mais sangue político em suas veias e, dois anos depois, o eleitorado lhe outorgou mandato de deputado estadual pelo Manda Brasa, juntamente com Márcio Lacerda, Isaías Rezende, Paulo Nogueira, Roberto Cruz, Jalves de Laet e João Torres. 

Em 1982, pelo PMDB, Dante de Oliveira elegeu-se deputado federal juntamente com os correligionários mato-grossenses Gilson de Barros, Márcio Lacerda e Milton Figueiredo e os governistas do PDS Jonas Pinheiro, Ladislau Cristino Cortes, Bento Porto e Maçao Tadano.

O PMDB e o PDS surgiram com o fim do bipartidarismo da Arena e Manda Brasa; o primeiro, na verdade, durante muitos ano,s foi a nomenclatura do velho MDB, cuja sigla recentemente foi retomada.

O mandato de deputado federal foi interrompido em dezembro de 1985 porque Dante de Oliveira elegeu-se prefeito de Cuiabá, em outubro daquele ano, e assumiu a prefeitura em 1º de janeiro de 1986.

Dante de Oliveira conquistou a prefeitura com 61% dos votos, mas permaneceu pouco tempo no cargo.

Em 28 de maio de 1986, afastou-se do cargo e o vice-prefeito coronel da reserva do Exército, Estevão Torquato (PMDB), o substituiu.

Com o afastamento, o Homem das Diretas trocava temporariamente o Palácio Alencastro pelo cargo de titular do recém-criado Ministério da Reforma Agrária e do Desenvolvimento Agrário, criado pelo presidente da República, José Sarney.

O ministério, ao invés de abrir portas a Dante de Oliveira, fechou até as janelas do PMDB para ele.

À época, nos bastidores, se dizia que o presidente regional do partido em Mato Grosso, Carlos Bezerra, costurou a fritura de Dante de Oliveira com José Sarney.

Essa fritura, na verdade, começou um ano antes, quando Bezerra praticamente impôs a candidatura de Dante de Oliveira a prefeito de Cuiabá, para evitar sua concorrência partidária na candidatura ao Governo em 1986 – pleito que foi vencido por Bezerra.

Em 1990, sem mandato e rompido com o PMDB, Dante de Oliveira disputou eleição para a Câmara dos Deputados, foi o candidato mais votado para o cargo em Mato Grosso, mas seu novo partido, o PDT, não alcançou quociente para ocupar cadeira.

Dois anos depois, pelo mesmo partido, elegeu-se prefeito de Cuiabá, mas interrompeu o mandato ao se desincompatibilizar para disputar e vencer a eleição para governador.

O Homem das Diretas deixou a prefeitura em 30 de março de 1994, sendo substituído pelo vice-prefeito, coronel da reserva do Exército, José Meirelles.

A vitória ao Governo foi massacrante. No primeiro turno, Dante de Oliveira recebeu 75% dos votos válidos, derrotando Osvaldo Sobrinho (PTB), que era vice-governador de Jayme Campos (PFL).

Quatro anos depois, filiado ao PSDB, tornou-se o primeiro governador reeleito democraticamente em Mato Grosso.

Naquela eleição, o Homem das Diretas recebeu 54% da votação em primeiro turno, batendo seu principal adversário, o então senador Júlio Campos (PFL e, agora, União Brasil).

Mais tarde, Júlio seria deputado federal, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e, em 2022, venceu a eleição para deputado estadual.

Em março de 2002, Dante de Oliveira transmitiu o Governo ao vice-governador e correligionário José Rogério Salles, para disputar mandato de senador, mas foi derrotado.

Dante de Oliveira recebeu 439.436 votos (19,84%) e os vencedores foram: Jonas Pinheiro (PFL – 612.200 votos) e Serys Slhessarenko (PT – 574.701 votos).

Naquele pleito, as cúpulas petista e pefelista se uniram em defesa do voto casado para Jonas e Serys, cartada que foi fatal e jogou por terra a candidatura do Homem das Diretas.

Quatro anos após a disputa ao Senado, Dante de Oliveira lançou-se candidato a deputado federal tucano, mas, em 6 de julho, foi derrotado pelo diabetes.

Sua mulher, Thelma de Oliveira, também tucana, assumiu a candidatura que seria do marido e se elegeu deputada federal.

Dante de Oliveira militava no MR-8, que conheceu nos meios universitários do Rio, onde formou-se em engenharia civil.  


Emenda Dante de Oliveira e Diretas Já


A Constituição em vigor na época foi elaborada pela ditadura em 1967. Nela as eleições presidenciais não eram diretas. O presidente da República não era escolhido pelo voto popular, mas sim por um Colégio Eleitoral, isto é, o Congresso Nacional fazia a escolha do novo chefe da nação. Todos os cinco presidentes militares que governaram o Brasil de 1964 a 1985 foram eleitos pela via indireta. Costumava-se dizer na época que o povo só saberia quem era o novo presidente pelo “radinho” de pilha. Como não poderia participar diretamente da eleição do novo presidente, a população apenas aguardava a escolha vinda pelo Congresso Nacional.

Dante de Oliveira era deputado federal pelo PMDB de Mato Grosso do Sul e foi o responsável pela elaboração do Projeto de Emenda Constitucional (PEC 05/1983) que propunha a alteração na Constituição para permitir que as eleições presidenciais de 1985 acontecessem de forma direta, ou seja, pelo voto popular. Para que essa proposta se efetivasse, era necessária a aprovação pelo Congresso Nacional por 2/3 dos parlamentares.

O movimento pelas Diretas Já surgiu a partir dessa proposta, que ficou conhecida como “Emenda Dante de Oliveira”. Depois de 21 anos de ditadura, havia a possibilidade real de as eleições presidenciais serem realizadas pelo voto popular, por isso a participação popular foi tão marcante nos comícios das Diretas. Era uma forma de fazer pressão aos parlamentares que votariam a emenda no Congresso Nacional. O “Já” das “Diretas Já” se deu pela aplicação imediata do voto direto nas eleições presidenciais seguintes.


Comícios

Os primeiros comícios pelas Diretas começaram em 1983 e não contaram com muita gente. Goiânia foi a primeira capital a sediar um comício. Foi na Praça Cívica, centro da capital goiana, na noite do dia 15 de março de 1983. Com o passar do tempo, o maior número de apoio político e a grave situação econômica do país fizeram com que a população participasse ativamente das Diretas.

A organização dos comícios temia reações violentas da linha-dura militar, que, desde o início da abertura política em 1974, não concordava com a retirada dos militares do poder e o retorno dos civis para o campo político. Ao longo da primeira metade dos anos 1980, alguns grupos radicais tentaram barrar as manifestações de apoio à redemocratização. A linha-dura era contra o comunismo e qualquer símbolo a ele ligado.

Pensando nisso, os organizadores das Diretas Já pediram aos partidos de esquerda que evitassem o uso de bandeiras vermelhas ou de qualquer pauta ligada ao comunismo nos comícios. Apesar dos pedidos, vários participantes levavam suas bandeiras vermelhas. Líderes civis buscaram o diálogo com os militares para que os comícios acontecessem sem nenhum tipo de provocação e de violência.


Desfecho das Diretas Já

A “Emenda Dante de Oliveira” foi votada pelo Congresso Nacional no dia 25 de abril de 1984. A população que ativamente participou dos comícios pelas Diretas agora aguardava o resultado final. A votação foi transmitida ao vivo pela televisão. Porém, mesmo com a abertura política a todo o vapor, os militares queriam exercer a sua força arbitrária.

A mobilização das Diretas fez com que se criasse um ambiente de expectativa para a votação da emenda no Congresso. Por isso, os militares fizeram de tudo para controlar a entrada de pessoas em Brasília. Como Goiânia é próxima à capital federal, as medidas impositivas do governo tiveram maior efetivação.

Apesar de todo o apoio que teve, a emenda não foi aprovada no Congresso. Durante a votação, estavam presentes 479 parlamentares e, para a emenda ser aprovada, eram necessários 320 votos. A Emenda “Dante de Oliveira” teve 298. Faltavam apenas 22 votos para atingir os 2/3 necessários. Quando o resultado foi divulgado, os apoiadores da emenda sentiram-se frustrados. Com o arquivamento da emenda, a sucessão do General João Batista Figueiredo (1979-1985) seria indireta, pelo Colégio Eleitoral. O povo só iria eleger o novo presidente em 1989.

Mudanças sociais e políticas após as Diretas Já
A Diretas Já foi o primeiro grande movimento popular desde 1968, logo após a publicação do Ato Institucional número 5. Durante 15 anos, não aconteceu nenhum movimento igual no Brasil. Os instrumentos de força e violência da ditadura não apenas calaram as vozes dos opositores, mas também impediram a mobilização de manifestações contrárias ao governo.

Esse movimento trouxe de volta a participação de políticos que estavam no exílio ou que lutaram contra a ditadura por aqui. Os artistas também voltaram a se manifestar politicamente sem temor de censura. Questões como o voto direto e a redemocratização trouxeram de volta o debate político para o público em geral. Além disso, jogou luz sobre a realidade brasileira ao denunciar os desmandos do governo militar e a grave crise econômica que o país vivia. Boa parte do apoio recebido da população ao movimento das Diretas foi pelo inconformismo com a situação econômica brasileira, que levava desemprego, fome e miséria para os mais pobres.

Com a rejeição da “Emenda Dante de Oliveira”, a sucessão do governo Figueiredo foi realizada pelo voto indireto. Tancredo Neves, pela oposição, e Paulo Maluf disputaram as eleições no Colégio Eleitoral. Tancredo foi um dos principais líderes das Diretas e saiu do governo de Minas Gerais para se candidatar à Presidência. Ele conseguiu unir em torno da sua candidatura um arco bem amplo de alianças, que possibilitou a sua vitória nas eleições indiretas de 15 de janeiro de 1985, tornando-se o primeiro civil eleito após o golpe de 1964. Mesmo não alcançado seu objetivo principal, o movimento Diretas Já teve colaboração importante no fim da ditadura e na formação da Nova República.



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