Policial de MT caminha 3 mil km e paga promessa ao atravessar maior praia do mundo
Ele prometeu que se nenhum colega ou parente morresse em razão da Covid, ele faria a travessia do Cassino/Chuí, onde está a maior praia do mundo,
Domingo, 20 de fevereiro de 2022
Uma caminhada de mais de três mil quilômetros, passando por diferentes estados do país e terminando com a travessia do Cassino, considerada a maior praia do mundo, localizada no Rio Grande do Sul. Esse foi o desafio que o policial civil, Lindomar César de Araújo, lotado na Gerência de Combate ao Crime Organizado em Mato Grosso, enfrentou para cumprir uma promessa feita há 10 anos pela saúde de amigos e familiares.
O escrivão fez a promessa no ano de 2012, quando uma tia, que estava com câncer passaria por uma cirurgia. Na ocasião, o policial prometeu que se a tia fosse curada da doença, ele faria uma caminhada até a cidade dela, São Pedro da Serra, no Rio Grande do Sul.
Para ter tempo para se preparar, o escrivão colocou que teria 10 anos para pagar a promessa. Com o passar dos anos, e a chegada da pandemia, alguns colegas hospitalizados e o risco para parentes e amigos, Lindomar decidiu acrescentar a quilometragem da sua promessa para que todos ao seu redor passassem bem e sobrevivessem à Covid-19.
A promessa de caminhada se estendeu até o Chuí e para finalizar, o escrivão prometeu que se nenhum colega ou parente viesse a falecer em razão da Covid, ele faria a travessia do Cassino/Chuí, onde está a maior praia do mundo, uma faixa de areia deserta e extensa, que vai do Rio Grande Sul até a fronteira com o Uruguai. O percurso é praticamente deserto só se vendo movimento nos primeiros quilômetros e depois não podendo contar mais com a ajuda de mais ninguém.
Prestes a terminar o período de 10 anos para cumprir a promessa, Lindomar aproveitou que tinha cinco meses de férias para finalmente pagar o prometido. A preparação começou em 2020, quando o escrivão começou a ir de bicicleta para o serviço e a fazer caminhadas mais longas (de 10, 15 e até 40 quilômetros) para se preparar.
Durante uma caminhada mais longa, ele percebeu que seria muito difícil cumprir o objetivo carregando uma mochila de aproximadamente 40 quilos, por mais de 90 dias e que ele precisava de um carrinho para carregar os itens necessários durante a viagem. Poucos dias antes de viajar, Lindomar enquanto comprava os equipamentos, viu o carrinho de feira, que foi seu companheiro durante toda a viagem e que precisou ser adaptado durante o percurso.
A viagem iniciou dia 9 de outubro de 2021, quando saiu de Cuiabá, inicialmente de bicicleta, até a cidade de São Gabriel D’Oeste, de onde começou a sua jornada a pé. A viagem teve um percurso total de 3.184 quilômetros, destes 600 foram de bicicleta, 2500 caminhando e o restante (aproximadamente 84), foram feitos em três situações em que o escrivão precisou pedir carona, por estar lesionado ou por ter problemas com o carrinho.
“Eu aproveitei os primeiros dias, que a minha esposa poderia me acompanhar (ela de carro e ele de bicicleta), caso eu tivesse algum problema e fiz uma rota bem alternativa, não fui pelo caminho mais curto. Fui para Santa Catarina visitei parentes, e após a visita eles me traziam de volta para rota, eu continuei, fui para o Rio Grande do Sul, para o litoral, chegando ao Cassino, quando você já pega a praia e são cinco dias e meio/seis de travessia, isolado do resto do mundo”, disse.
Com o aumento da quilometragem, o escrivão passou a pensar em um novo trajeto e assistir vídeos de pessoas que faziam caminhadas do Oiapoque ao Chuí, porém não tinha o interesse de fazer nenhum percurso pela praia, por não ter um equipamento adequado para areia. “Porém como essa parte final da promessa englobava todo mundo passar pela pandemia bem, e por ser uma coisa muito séria, então comecei a pensar que tinha que ser um percurso mais marcante e decidi fazer pela praia”, lembra.
Lindomar lembra que nos primeiros dias de viagem não tinha resistência e que o carrinho ainda era muito rústico. Pouco antes de chegar a Naviraí (MS), o escrivão conheceu um caminhoneiro que indicou uma oficina na cidade, onde o escrivão pode adaptar o seu carrinho, trocando os tipos de rodas e trazendo maior flexibilidade do guidão, o que melhorou as condições de viagem.
Quando chegou para fazer a travessia do Cassino, já estava fortalecido pelos dias anteriores que tinha rodado, tinha mais resistência, pois tinha passado por rodovias, subindo serras durante os trajetos entre os estados de Paraná e Santa Catarina. “Chegou à areia foi como se eu tivesse em uma subida daquelas, o que me facilitou muito, foi tranquilo, não tive calos nos pés, porque já estavam fortes. Encontrei um casal que também estava fazendo a travessia, porém teve que desistir no segundo dia de viagem, em razão das lesões”, disse.
A partir de então foram seis dias de travessia, em um lugar ermo, em contato direto com a natureza, em que o escrivão aprendeu a valorizar ainda mais as pequenas coisas da vida. “Eu não sabia armar a barraca direito, não tinha equipamento adequado. Um dia tive que armar a barraca atrás de uma boia e foi a pior noite da minha vida, era muito vento, tipo de deserto, que me deixou com areia pelo corpo todo. No outro dia peguei um trecho de areia muito fofa e maré alta, conseguindo caminhar apenas 25 quilômetros naquele dia”, lembra.
Fazendo entre 38 a 45 quilômetros por dia, Lindomar terminou a travessia da maior praia do mundo no dia 1º de janeiro, às 14 horas, terminando de chegar nos Molhes da Barra do Chuí, optando ainda por ir até o Chuí a pé, por ser complicado pegar um ônibus circular carregando seu carrinho e todo equipamento.
Lindomar disse que durante a viagem conheceu muitas pessoas e também teve muita sorte de não ter enfrentado nenhum perigo. Nos caminhos em que passou conversou com muitas pessoas, conheceu muitas histórias. “Na estrada, você encontra muitas pessoas, algumas são receptivas, outras não. Geralmente as pessoas têm problemas familiares e por isso estão na estrada”, disse.
Entre as muitas pessoas que conheceu estava um homem que mora na BR-386, há mais de 30 anos, andando de uma ponta a outra na rodovia. Durante a travessia do Cassino, o escrivão conheceu um ciclista que largou tudo que tinha para buscar o mundo de bicicleta.
Com tudo que viveu nos dias 83 dias de viagem, Lindomar disse que uma das maiores lições que leva é dar valor às pequenas coisas que já estão presentes em nossas vidas. Em um dos dias que estava na estrada, um homem em uma motocicleta parou para conversar com o escrivão e depois fez uma oração para ele.
“Eu fiquei emocionado e era o que estava precisando muito naquele momento, porque eu estava fraquejando por estar muito cansado. O tempo vai passando e você se acostuma com tudo que tem e passa a não dar valor, mas quando você está na estrada um copo de água, uma palavra amiga, fazem muita diferença e podem ser fundamentais para você continuar”, finalizou
foto: arquivo pessoal
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