Com STF, Congresso e mídia em recesso, Bolsonaro ficou livre para governar. Confira o resultado
Deixaram o homem livre para trabalhar, governar sem empecilhos. Qual foi o resultado?
Sexta-feira, 28 de janeiro de 2022
O argumento de dez entre dez bolsonaristas para as dificuldades do governo é que “não deixam o presidente trabalhar”. Por essa versão, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso, os governadores, os prefeitos e a oposição estariam em um conluio para impedir Bolsonaro de fazer o que acha que precisa ser feito. Pois bem, desde o Natal, Jair Bolsonaro está livre para governar. O Congresso e a Justiça estão em recesso até fevereiro, os jornais e TVs trabalham com metades de suas equipes, a oposição está com seus próprios problemas e até os ministros que tentam controlar o presidente (Ciro Nogueira, Paulo Guedes e Roberto Campos Neto) estavam de férias até nesta segunda-feira (10/01). Bolsonaro pode nestes dias fazer o que quis. Aos fatos:
O governo perdeu o prazo de 31 de dezembro para sancionar o perdão da dívida das companhias inscritas no programa Simples, medida que beneficiaria 4,5 milhões de microempresários. No sábado (08/01), Bolsonaro anunciou que soltaria uma medida provisória para compensar os microempresários, mas descobriu-se no domingo que a ação é ilegal. Sem alternativa, Bolsonaro passou a defender a derrubada do seu próprio veto pelo Congresso.
A pedido de Bolsonaro, o orçamento de 2202 inclui um reajuste salarial apenas para os policiais federais e rodoviários, bases bolsonaristas do funcionalismo. A reação começou pela corporação mais poderosa, a dos auditores da Receita Federal. Há mais de mil caminhões parados na fronteira com a Venezuela desde o Natal aguardando liberação na alfândega. Segundo Associação Brasileira da Indústria de Trigo, a demora dos auditores fiscais agropecuários no porto de Santos impede o desembaraço de 3 navios com 100 mil toneladas de trigo argentino. Há casos similares nos portos do Rio e Itajaí. O Carf (o conselho de julgamentos de recursos de multas tributárias) suspendeu sessões de julgamento. Vai piorar. Os auditores do Banco Central iniciaram um movimento de renúncia de cargos de chefia que vai paralisar toda a burocracia do BC por falta de autorizações. Os servidores federais ameaçam uma greve para o dia 18.
No quinta-feira (06/01), Bolsonaro acusou a Agência Nacional de Saúde (Anvisa) de ter interesses escusos na liberação das vacinas para crianças. “Você vai vacinar teu filho contra algo que o jovem por si só uma vez pegando o vírus, a possibilidade de ele morrer é quase zero? O que que está por trás disso? Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual interesse daquelas pessoas taradas por vacina?”. A resposta veio no sábado (08/01) pelo presidente da Anvisa, contra almirante Antonio Barra Torres, em uma nota pesada. Nem Lula, nem Doria ou Moro foram tão duros e desafiadores com o presidente quando Barras Torres:
“Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, senhor presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa. Agora, se o Senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”, escreveu Barra Torres. Ele tem mandato até 2024 e não pode ser demitido pelo presidente.
Confrontado, Bolsonaro miou. Na segunda-feira (10/01), o presidente tentou desdizer o que disse. “Me surpreendi com a carta dele. Carta agressiva. Não tinha motivo para aquilo. Eu falei: ‘o que está por trás do que a Anvisa vem fazendo?’. Ninguém acusou ninguém de corrupto”, disse Bolsonaro.
Na quinta-feira (06/01), o comandante do Exército, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, divulgou documento interno afirmando que “o retorno às atividades presenciais dos militares e dos servidores, desde que respeitado o período de 15 dias após imunização contra a Covid-19 (uma ou duas doses, dependendo do imunizante adotado)”. Dados publicados pelo jornal digital Metrópoles mostram que a cobertura vacinal nas Forças Armadas está abaixo que na média brasileira, de 75%. No Exército é 56,3% e na Aeronáutica é 54,9%. 36 mil militares das duas armas se recusam a serem vacinados. Na sexta, Bolsonaro chamou o ministro da Defesa, general Braga Neto, e exigiu uma nota de retratação do Exército. Os generais argumentaram que o comunicado repetia as normas de novembro do Ministério da Defesa, e Bolsonaro baixou o tom. No sábado, ele recuou: “Não, tem exigência nenhuma. Não tem mudança. É uma questão de interpretação”, afirmou, numa declaração sem significado. A norma do Exército está de pé.
Em 31 de dezembro, Bolsonaro sancionou a prorrogação até o fim de 2023 da desoneração da folha de pagamento das empresas dos 17 setores da economia, ao custo de R$ 9 bilhões. Não há no Orçamento previsão de compensação da origem desses recursos, o que descrito como crime pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A Secretaria Geral da Presidência informou haver uma brecha jurídica por se tratar de prorrogação e não de novo gasto (entendimento que nunca foi usado desde 2013 quando as desonerações começaram). Grupos empresariais não beneficiados vão recorrer ao STF contra o privilégio.
Bolsonaro preferiu passear de jet-ski e andar de carro em alta velocidade em Santa Catarina a prestar solidariedade aos milhares de desabrigados pela chuva na Bahia. Na segunda-feira (03/01), quando deveria voltar a trabalhar e dar alguma satisfação sobre a Bahia, Bolsonaro foi internado às pressas em um hospital em São Paulo com problemas intestinais. Liberado em 48 horas, Bolsonaro foi a Goiás participar de uma partida de futebol com cantores sertanejos. No sábado, foi a um churrasco em Brasília.
Livre para governar do seu jeito, Bolsonaro mostrou o que se pode esperar dele.
Veja/DigoresteNews
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