Os efeitos do amianto e o que o setor industrial tenta esconder da sociedade
A Organização Mundial da Saúde decretou de forma categórica que a exposição ao amianto provoca câncer
A disputa em torno do banimento do amianto no Brasil é conhecida na saúde pública – foram muitas idas e vindas até que o Supremo Tribunal Federal decidisse, em 2017, que a exploração da fibra mineral cancerígena deveria ser proibida no país, como já acontecia em várias outras partes do mundo. Também é sabido que a empresa que explorava essa produção por aqui – a Sama, da multinacional Eternit – não desistiu e conseguiu pautar novamente no STF a retomada da mineração em Minaçu, cidadezinha de Goiás. Mas outra faceta da empresa seguia desconhecida até então: o uso de pesquisadores, médicos e estruturas de saúde como forma de blindagem contra eventuais processos trabalhistas – às custas, inclusive, das vidas de vários ex-funcionários.
No Intercept Brasil, a repórter Nayara Felizardo mostra como a Sama atua. Na faceta mais secreta, a empresa agia para desacreditar laudos de médicos independentes que diagnosticavam em seus trabalhadores câncer e asbestose, doença que endurece o pulmão e, como o nome sugere, é vinculada diretamente ao asbesto, como o amianto também é chamado. Na sequência, demitia os funcionários alegando cortes por questões econômicas. “Quando ele olhou a tomografia, bateu na mesa e rabiscou o laudo de cima a baixo”, descreveu José Severino de Carvalho, referindo-se à atitude do médico da Sama, Eduardo Andrade Ribeiro, quando mostrou o exame feito em Goiânia. Era 2014 e José acabou sendo diagnosticado com asbestose quase por acaso, depois de sofrer um acidente de trânsito, por um profissional de Goiânia não vinculado à empresa. Em 2015, José seria demitido depois de 14 anos de serviços prestados à Sama.
O caso é um exemplo de uma prática sistemática que fica mais clara a partir da atuação de uma junta médica, criada pela Sama em 1997, por conta de uma norma editada anos antes obrigando as empresas que exploravam amianto a acompanharem e realizarem exames de saúde periódicos em funcionários e ex-funcionários por até 30 anos depois que eles deixassem o emprego. Formada pelos médicos Mário Terra Filho, Luiz Eduardo Nery e Ericson Bagatin, a junta descartava qualquer relação do amianto como causa de adoecimento e morte da maior parte dos trabalhadores. Nos poucos casos em que reconhecia a ligação, a empresa tratava de assinar um acordo com o doente, pagando indenizações ridículas (uma pesquisa mapeou que variaram de R$ 5 mil a R$ 22 mil) e se responsabilizando pelas despesas com plano de saúde.
Na faceta mais pública, a Sama investiu pesado no financiamento de dois estudos que chegaram à controversa conclusão de que o amianto branco ou crisotila – variedade explorada em Minaçu – não causaria problemas à saúde. E, mais uma vez, os médicos da junta foram aliados da empresa na empreitada. Bagatin, Nery e Terra Filho são autores das pesquisas que, ao todo, custaram R$ 4,4 milhões – grande parte bancada pela Sama e por uma entidade criada para defender a indústria do amianto chamada Instituto Brasileiro de Crisotila. E tiveram também financiamento público, da Fapesp e do CNPq, embora houvesse claro conflito de interesses. Com metodologia contestada, são usados até hoje pela Eternit como arma pela reabertura da exploração da fibra. E citados por políticos aliados. Tudo, obviamente, contra diversas outras pesquisas científicas que levaram a Organização Mundial da Saúde a decretar de forma categórica que a exposição ao amianto provoca câncer.
Digoreste News/Mato Grosso Econômico
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