No Irã, manifestantes protestam contra o governo por derrubar avião
Centenas de manifestantes saíram às ruas na capital iraniana, Teerã, para protestar neste sábado (11) contra autoridades do país que “mentiram”, segundo eles, ao negarem inicialmente que derrubaram um avião com 176 pessoas a bordo na semana passada, nos arredores da cidade.
Os atos ocorreram perto de duas universidades, e há relatos de uso de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes — parte cobrou a saída do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei.
Após dias de negativas, o Irã admitiu neste sábado (11) que derrubou com um míssil por engano o avião da Ukraine International Airlines, em meio à escalada da tensão entre EUA e Irã, provocada pelo assassinato (pelos americanos) do general iraniano Qassam Suleimani.
O presidente americano, Donald Trump, publicou uma mensagem no Twitter em apoio aos protestos em inglês e em farsi: “Ao bravo e sofrido povo iraniano: Eu estou por vocês desde o início da minha Presidência, e meu governo vai continuar a apoiá-los. Estamos acompanhando os protestos de perto. Sua coragem é inspiradora.”
O mandatário americano cobrou que não haja “outro massacre de manifestantes pacíficos ou bloqueio da internet”. “O mundo está de olho”, disse.
Direito de imagemTWITTER
Trump provavelmente fazia referência à repressão violenta do governo contra uma onda de protestos não pacíficos em novembro contra a alta dos preços dos combustíveis, que deixou mais de 100 mortos. O país de 80 milhões de habitantes teve a internet bloqueada pelo governo “em prol do interesse público”.
Neste sábado, o embaixador britânico em Teerã, Rob Macaire, acabou preso após participar de uma vígilia pelos mortos na tragédia na quarta-feira (8), sem ligação com os protestos liderados por estudantes universitários. Ele ficou detido por três horas, apesar de a Convenção de Viena proibir a detenção de diplomatas.
“O governo iraniano está num momento-chave. Pode continuar a seguir em direção ao status de pária, com todo isolamento político-econômico que isso acarreta, ou tomar medidas para desescalar as tensões e seguir a via diplomática”, afirmou o chanceler britânico, Dominic Raab.
O que aconteceu nos protestos?
Estudntes se reuniram do lado de fora de ao menos duas universidades, Sharif e Amir Kabir, inicialmente em um ato em memória das vítimas. À noite, os protestos acabaram em violência.
A agência de notícias semioficial Fars publicou um raro relato do ocorrido, afirmando que mais de mil pessoas — parte gritou palavras de ordem contra líderes iranianos e destruiu imagens do general Soleimani, assassinado pelos EUA.
Os manifestantes cobraram a responsabilização dos envolvidos na derrubada do avião e daqueles que eles acusam de ter tentado acobertar a ação.
Palavras de ordem incluíram o pedido de renúncia do “comandante-em-chefe”, no caso o aiatolá Ali Khamenei, e “morte aos mentirosos”.
Segundo a agência Fars, a polícia dispersou os manifestantes, que haviam bloqueado ruas na região. Há registros em redes sociais do uso de gás lacrimogêneo.
Os protestos do sábado foram, por ora, bem menores que os atos em apoio a Qasem Soleimaini que reuniram multidões ao redor do Irã.
O líder supremo ocupa o teto da estrutura de poder político do Irã. Até agora, apenas duas pessoas ocuparam este posto: Ruhollah Khomeini e o aiatolá Ali Khamenei, que ocupa essa posição desde 1989.
Foi Khamenei que, após o assassinato de Soleimani pelos Estados Unidos, prometeu uma “grande vingança”. Na quarta (8), o Irã bombardeou bases que abrigam tropas americanas no Iraque, ação que o aiatolá classificou como “um tapa na cara” dos EUA.
O líder supremo é o chefe de Estado e a máxima autoridade política e religiosa do país. E o cargo é vitalício.
No Irã, a Constituição descreve o presidente como a segunda maior autoridade do país. Na prática, porém, os poderes do chefe do Poder Executivo são limitados pelos clérigos e conservadores na estrutura de poder do Irã e pela autoridade do líder supremo.
Estudantes protestam do lado de fora da Universidade Amir Kabir – Direito de imagem AFP
Já as Forças Armadas iranianas se dividem em duas: as regulares e a Guarda Revolucionária.
Essa segunda nasceu pouco depois da revolução de 1979 para defender o sistema de governo islâmico que o país acabara de adotar. O seu papel, conforme a Constituição, é de defesa das fronteiras e manutenção da ordem interna para os outros militares. Subordinada ao líder supremo, possui cerca de 150 mil membros ativos.
Como se deu a admissão de culpa do Irã?
O Irã vinha negando acusações de que teria sido responsável pela queda do avião, mas passou a ser alvo de intensa pressão internacional por causa de evidências divulgadas por autoridades de inteligência ocidentais.
No sábado, a TV estatal divulgou um comunicado militar que afirmava que o avião voava muito perto de um lugar sensível que pertence à Guarda Revolucionária do Irã e foi considerado, por engano, um míssil de cruzeiro.
O general-brigadeiro, Amir Ali Hajizadeh, comandante aéreo da Guarda Revolucionária, assumiu total responsabilidade pelo caso. Segundo ele, um operador de míssil agiu sozinho em meio a rumores naquele momento de que mísseis de cruzeiro haviam sido disparados contra o Irã.
“Ele tinha 10 segundos para decidir. Ele poderia ter decidido atirar ou não, e sob aquelas circunstâncias ele tomou a decisão errada”, afirmou Hajizadeh.
De acordo com o comandante, o militar que efetuou o disparo era “obrigado a fazer contato e obter a verificação (da suspeita), mas aparentemente seu sistema de comunicação teve problemas”.
“Eu gostaria que eu estivesse morto”, admitiu Hajizadeh.
Ele disse ter informado as autoridades sobre o que aconteceu na quarta-feira, o que deu força aos questionamentos e às críticas ao governo iraniano sobre por que negou acusações e demorou tanto para admitir responsabilidade.
No dia seguinte à queda do avião, o chefe da Organização de Aviação Civil do Irã, Ali Abedzadeh, chegou a dizer que era “cientificamente impossível que um míssil tenha atingido o avião ucraniano, e esses rumores não têm lógica”.
O aiatolá Khamenei falou em uma “prova de falha humana” no caso do disparo, e o presidente iraniano, Hassan Rouhani, disse que o Irã estava “profundamente arrependido daquele erro desastroso”.
O chanceler do país, Javad Zarif, pediu desculpas às famílias das vítimas, mas responsabilizou também os Estados Unidos. “Uma falha humana em tempo de crise causada pela ação aventureira dos EUA levou ao desastre”, afirmou.
Para Lyse Doucet, correspondente internacional chefe da BBC, a admissão de culpa por parte do Irã representa uma desescalada das tensões com os Estados Unidos.
“O Irã decidiu que deveria assumir o desastre para evitar uma nova guerra verbal com o Ocidente ou despertar a fúria de seu próprio povo, que pulam de uma calamidade para outra”, escreveu Doucet.
Como o Canadá e a Ucrânia reagiram até agora?
Dentre as 176 vítimas, havia cidadãos de sete nacionalidades, entre eles 82 iranianos, 57 canadenses e 11 ucranianos.
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disseram ter conversado neste sábado com o colega iraniano, Hassan Rouhani.
Trudeau afirmou que estava “indignado e furioso” e cobrou investigação ampla e transparente. “O Canadá não vai descansar enquanto nós não tivermos contas prestadas, justiça e conclusão que as famílias merecem. Eles estão feridos, irritados e de luto, e querem respostas.”
Ele classificou a queda do avião foi uma “tragédia nacional” — o país tem quase 210 mil descendentes de iranianos.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, cobrou do Irã compensações e desculpas. Segundo o mandatário, Rouhani garantiu a ele que “todas as pessoas envolvidas nesse desastre aéreo serão levadas à Justiça”.
As informações são da BBCNEWS BRASIL
Nenhum comentário