MATO GROSSO - Gestão fiscal, causas, consequências e os próximos passos
ARTIGO
O Estado de Mato Grosso, acostumado a um crescimento anual sempre acima da média do País – em alguns períodos na casa de dois dígitos – mergulhou num cenário tenebroso, do ponto de vista da gestão pública e análise de seus números.
Desde 1º de janeiro de 2003, o servidor público estadual experimentou o pagamento de seu salário até o 5º dia útil do mês subsequente, isso por um período de aproximadamente cinco anos. Quando tomei posse na Secretaria de Fazenda do Estado de Mato Grosso, em 21 de fevereiro de 2008, dei início a um ousado projeto de renegociar as dívidas do Estado, aumentar a arrecadação sem aumentar impostos, combater a desordem tributária, combater a sonegação, socializar a cobrança de impostos, preparar a contabilidade pública para um segundo passo no qual, após várias medidas implementadas, iniciaríamos uma profunda mudança na forma de cobrança dos impostos estaduais, mas isso só seria possível se o trabalho fosse continuado e a Sefaz pudesse andar no “piloto automático” sem soluções de continuidade.
Dentre tantas ousadias, talvez a que mais nos orgulhava era manter os salários em dia, mas como se não bastasse, decidimos levar ao governador um projeto que colocava o salário do servidor público sendo pago dentro do mês trabalhado, ou seja, no máximo até o dia 30 de cada mês e, quando o dia 30 coincidia com finais de semana ou feriados, antecipávamos imediatamente para o dia útil antecedente.
De repente, num dado momento histórico, parece que tudo isso começou a se perder e vimos nosso Estado mergulhado numa crise sem precedentes, chegando a declarar “estado de calamidade financeira” e, num outro período antecessor, o Estado viu suas contas públicas deterioradas, má-gestionadas, neófitos ocupando cargos relevantes sem conhecimento de causa e, mais triste, o Estado ficou à deriva como uma Nau sem comando.
Para que o cidadão leitor, eleitor, contribuinte, mantenedor dos serviços públicos, que em nada teve sua vida facilitada, pelo contrário, passou a viver um “inferno astral” com aumento de impostos e má gestão fiscal, decidi escrever ou descrever fatos que entendo que desencadearam as consequências que vivemos hoje.
Começo por narrar uma construção histórica, do ponto de vista fiscal, que julgo ter gerado essa sucessão de coisas nas quais somos passageiros da agonia:
MENOR ESFORÇO FISCAL
No período da gestão de 2015 a 2018, foi apurado esforço fiscal médio 50% menor do que aquele verificado no período da gestão de 2008 a 2014. Na gestão 2015 a 2018, o esforço fiscal resultou em um incremento médio de 5,5% em todo o mandato. Este percentual é metade do incremento médio de 10,7%, verificado no período 2008 a 2014, conforme explicam os quadros abaixo:
GESTÃO FISCAL DISRUPTIVA
No período da gestão 2015 a 2018, a amplitude muito grande dos desvios médios das receitas incrementadas sugerem que a administração fiscal foi disruptiva, ou seja, fora dos padrões aceitáveis de governança corporativa, gestão fiscal e sobretudo fora da curva da produtividade necessária para manutenção dos serviços essenciais na saúde, educação, infraestrutura, segurança pública, enfim.
Conforme se observa no quadro abaixo, no período de 2008 a 2014 os incrementos de receita anual foram mais constantes e dotados de menor desvio de um ano para o outro. Isso sugere uma administração fiscal mais constante e uniforme no período. Em sentido contrário, se observa no quadro abaixo que o período 2015 a 2018 é marcado por variações aleatórias de receitas, normalmente produto de operações policiais desacompanhadas de uma gestão fiscal efetiva.
É óbvio que combater a corrupção e manter o estado de alerta é substancial, mas é necessário ter, como uma das vertentes que compõem uma boa gestão, capacidade de produzir resultados na ponta final, em melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, fato que não ocorreu no período de 2014 a 2018. Pelo contrário, os salários passaram para até o dia 10 de cada mês, depois escalonamentos, depois atrasos e incertezas, que se mantêm até os dias atuais, embora tenho que reconhecer que começa, depois de praticamente o início desse governo em 2019, a abrir a possibilidade de reajuste das contas públicas e uma luz no fundo do túnel, ainda com forte combustível volátil, pois conta com receitas incertas.
Em verdade, os números abaixo sugerem que somente em 2016 houve, de fato, algum incremento de receita na gestão Pedro Taques. Também é possível observar que, no primeiro ano do mandato de Pedro Taques (2015), ocorreu uma imediata perda de 50% do esforço fiscal costumeiro desde 2013. Ou seja, desde 2013, aumentos de receitas superiores a R$1,4 bi ao ano eram experimentados, no entanto, no primeiro ano, depois das alterações administrativas (reforma da SEFAZ e alterações de gestores), o esforço fiscal inercial foi reduzido em 50%.
Aparentemente, a gestão Pedro Taques focalizou seus esforços na fiscalização repressiva e descuidou da gestão da rotina, do planejamento fiscal, do equilíbrio financeiro e das melhores práticas internacionais de governança pública.
ERROS ORÇAMENTÁRIOS
O quadro abaixo indica que a gestão Pedro Taques acumulou, no primeiro ano de governo (2015), um déficit orçamentário equivalente a R$ 2,6 bilhões, revertendo assim a tendência de superávits orçamentários constantes de R$1,1 bilhão, verificados desde 2010.
No ano de 2015, o Governo mudou as práticas orçamentárias e formulou um orçamento inflado em mais de R$ 3 bilhões. Além de consumir o superávit costumeiro de R$1,1 bilhão ao ano (desde 2010), fez surgir um déficit de R$ 2,6 bilhões no primeiro ano de governo. Até o final da gestão Pedro Taques, foram acumulados outros R$ 2 bilhões de dívidas, que se somaram ao referido déficit de R$ 2,6 bilhões em 2015.
Importante ressaltar que o governo Pedro Taques não recebeu dívidas, pois o governo lhe foi entregue com todos os salários e encargos de janeiro de 2015 pagos antecipadamente, em dezembro de 2014. Além disso, o governo anterior deixou um crédito de R$ 450 milhões a receber da União, a título do FEX (Fundo de Exportação – Lei Kandir) referente ao ano de 2014, bem como recebeu o Governo, em janeiro de 2015, com R$ 2 bilhões em caixa e outros R$ 5 bilhões em operações de crédito autorizadas.
FALTA DE EXPERIÊNCIA
A falta de experiência em gestão pública causou confusões administrativas que podem ser exemplificadas pelo alarde público que o Governo de Pedro Taques, sem compromisso com a realidade factual, disse que não havia dinheiro na conta única.
Primeiro recordamos que a equipe de transição não apresentava clareza quanto ao conceito de que os recursos públicos não estão todos concentrados na conta única, existindo outras contas, chamadas subcontas, tais como aplicações financeiras, contas de convênios, fundos como o Fethab e recursos federais.
Durante a transição para o novo Governo, foi repassado o demonstrativo abaixo contendo a conciliação bancária dos recursos, em outubro de 2014, referente à Conta Única (R$520.814.771,29) e fundos fora da Conta Única (R$155.152.175,92), totalizando esta primeira parcial uma disponibilidade financeira (conta única + fundos fora da conta única) de R$675.966.947,21. Além disso, já dissemos, existiam outros R$1,5 bilhão em contas de convênio federais e mais R$ 5 bilhões em operações de crédito autorizadas.
Aqui cabe um adendo relativo ao que sempre tenho afirmado: que o Governo de Mauro Mendes decretou “calamidade financeira” num truque contábil, ou seja, desconsiderando as receitas dos fundos, pois se incluírem hoje todos os Fundos, no saldo financeiro do governo MM não há calamidade alguma.
Mas voltando à “vaca fria”, a falta de experiência em gestão pública dificultou a compreensão dos novos administradores financeiros, preocupados mais em “jogar para a plateia”, diante da complexidade dos balanços públicos, fizeram o inesperado: publicaram um extrato bancário com saldo de R$ 84 mil referente a uma das contas correntes, que integram a coleção de contas bancárias da conta única (composta por mais de 5 mil contas bancárias diferentes). Para o cidadão que recebe a informação, o entendimento é difícil, haja vista que a complexidade dos balanços públicos é agravada pela forma com a qual se demonstra isso. “Nadaram a braçadas”, sem saber que estavam indo rumo a uma cachoeira de águas caudalosas e de queda profunda.
Contradizendo o extrato bancário publicado, o próprio Governo Taques apresentou a tabela abaixo, com dados expostos em audiência pública junto à ALMT, apontando que os balanços públicos indicavam R$ 478 milhões de saldo na Conta Única em março de 2015 (este saldo é mais compatível com aquele de outubro de 2014, no valor de R$ 675 milhões, conforme quadro acima).
O extrato bancário foi desmistificado em audiência pública pelo então deputado Emanuel Pinheiro que, para isso, utilizou os números contábeis que o próprio Governo Taques apresentou, na mesma época, junto à ALMT.
Posteriormente, o próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) confirmou que Taques recebeu o Governo sem dívidas e com mais de R$ 600 milhões na Conta Única, além de outro R$ 1,5 bilhão em contas convênio e mais R$ 5 bilhões em operações de crédito autorizadas.
Abaixo, a disponibilidade bruta de caixa, segundo dados oficiais do próprio governo Pedro Taques divulgou, em demonstrativos contábeis oficiais. Se lê no quadro abaixo que, no final de março de 2015, o governo possuía R$ 2 bilhões em disponibilidades financeiras, cuja gestão inexperiente foi consumindo estes recursos sem resultados efetivos de gestão. Ao fim, o Governo legou ao seu sucessor um estado inviável, deficitário, sem capacidade de esforço fiscal, desorganizado administrativamente e devedor de R$ 5 bilhões em restos a pagar totalmente descobertos.
DESCONTROLE DA DESPESA
Os incentivos fiscais explodiram, evoluindo de R$ 1,3 bilhão ao ano, em 2014, para R$ 3,5 bilhões ao final de 2018.
Os repasses aos Poderes cresceram exageradamente em razão de erros orçamentários causados por um orçamento irreal e uma gestão financeira caótica.
Obras foram paralisadas por motivos políticos, o que prejudicou a injeção de recursos públicos na economia e geração de empregos.
A produtividade do setor público decresceu com a Reforma Administrativa, que aumentou cargos comissionados e de gestão (por exemplo, a SEFAZ passou a ter quatro secretários adjuntos).
A realização da despesa segundo critérios de administração pública gerencial orientada a resultados, foi substituída pela ordenação de gastos segundo a ótica de um estado à deriva, preocupado com pessoalidades e não com o coletivo. Estabeleceu-se uma verdadeira caça às bruxas que, ao fim e ao cabo, revelou-se uma grande cortina de fumaça para desviar o foco dos mais críticos para o precipício a que estavam levando Mato Grosso.
O quadro de recursos humanos foi aumentado em 5 mil cargos efetivos e 9 mil cargos comissionados, ocasionando a explosão da folha de pagamento e aprofundamento do rombo da Previdência.
Repasses aos poderes sofreram incremento médio de 50% no período de 2015 a 2018, ao tempo em que as receitas cresceram na média 5,5% ao ano.
É sempre questionável o comando da Sefaz atual e não estou pessoalizando, mas constatando, haja vista que o secretário de Fazenda atual é o mesmo da Gestão Pedro Taques. Então, ao fim desse Governo, saberemos se a Sefaz estava subordinada ao comando do Chefe do Poder Executivo quanto às suas políticas públicas de arrecadação, desprezando o enorme potencial de seu corpo técnico e obedecendo cegamente comandos “tresloucados”; se o secretário errava por desconhecimento; ou se a inexperiência, desconhecimento e egolatria eram conjuntas.
Até o presente momento, as coisas têm acontecido no Governo por osmose, altamente dependente de recursos incertos – renegociaram uma dívida em dólar para outra dívida em dólar e sem SWAP e juros escorchantes, emparedaram a chamada “oitenta/vinte”, ou seja, esmagaram os 20% que concentram maior nível de arrecadação e saturaram os 80% restantes, de forma a se ver uma verdadeira indústria de fechar empresas em Mato Grosso.
Providências essenciais, como a mudança na forma de cobrança dos impostos – bandeira que carrego como sendo a mais alta fonte e forma de se viabilizar Mato Grosso – sem aumentar impostos, cobrando na efetiva venda dos produtos com relação ao comércio, mudando a cobrança de impostos ICMS nas contas de energia, telefonia, de tal sorte que, por códigos de barras, QR CODE, ou qualquer outra forma de cobrança, desde que faça os recursos arrecadados entrarem nas contas públicas “online”, em tempo real.
O comerciante, industriário, prestador de serviços, enfim. Todos aqueles que são responsáveis por arrecadar na comercialização, são chamados “substitutos tributários”, fazem o serviço de receber do contribuinte e repassar ao Governo, mas sempre tem um “porém”. Diante das dificuldades empresariais, muitos se financiam nos impostos, às vezes por não terem outra saída.
Portanto, um Estado que concentra sua arrecadação em substitutos tributários, revela-se ineficiente para modernizar a forma de cobrança e, consequentemente, sujeito a um maior número de problemas que refletirão imediatamente na sua eficiência fiscal.
Para finalizar, convido todos para um raciocínio lógico: há um estoque superlativo de dívida ativa, previsto para recebimento em longo prazo de pessoas inadimplentes, na ordem de R$ 35 bilhões. O primeiro passo é revisar esse estoque e trazer para a realidade. Um exemplo simples é quando o Governo decreta, por vias legais, campanhas com descontos para receber do contribuinte inadimplente. Portanto, a cada decreto dessa ordem, deve-se reduzir o estoque da dívida e expurgar os excessos. Isso fará com que os valores recebidos em relação ao estoque da dívida se mostrem mais eficientes, vez que o próprio estoque da dívida já estará representado com os descontos legais, logicamente.
Por derradeiro, fica o registro da “barbeiragem” política e fiscal do atual governo, quando imputa carga tributária “total” sobre as vendas, ou seja, cobrança na saída. Seria salutar e menos traumático, quando não menos aviltante ao bolso do trabalhador, que se equalizassem as alíquotas de ICMS e fossem paulatinamente ampliando, já que a base tributada está quase triplicada e há espaço para redução de impostos. Afirmo: é mais do que possível pagar a RGA nas datas aprazadas. É mais do que possível pagar o salário no mês trabalhado.
Se duvidarem, desafio o Governo a publicar o extrato bancário de todas as contas e subcontas, então serão absolutamente visíveis os bilhões que não aparecem no Portal da Transparência ou que, propositalmente, não publicam sob o manto de se tratar de fundos. Enfim, aquela velha cantilena enfadonha que só engana “bobó cheira-cheira”.
EDER DE MORAES DIAS é Ex-secretário de Fazenda de Mato Grosso; Casa Civil de Mato Grosso; Ex-Presidente da Agecopa (Agência da Copa do Mundo FIFA 2014 MT); Ex-Secretário extraordinário da Copa do mundo FIFA
2014; Ex-Presidente da Agência de Fomento do Estado de Mato Grosso-MT FOMENTO; Ex-Secretário Chefe
de Articulação Institucional em Brasília; Ex-Diretor de Portos da Metamat; Ex-secretário de Educação
do Município de Várzea Grande-MT, Ex-secretário de Governo Várzea Grande-MT; Ex-secretário de
Fazenda de Várzea Grande-MT; Bacharel em Direito; Gestão de Agronegócios; Gestão
Comercial; Processos Gerenciais Tecnólogos; MBA Ciências Políticas;
Pós-Graduado em Direito Constitucional; Filosofia e Direitos
Humanos; Governança Corporativa; MBA em
Contabilidade, Economia e Administração de
Empresas; MBA em Psicanálise Clínica;
MBA Ciências Políticas; Economia;
e iniciante em TEOLOGIA.
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