Pane pública em MT foi gerada na roubalheira do Governo Silval, diz Folha de São Paulo

Caos na Saúde e desvio de dinheiro de obras da Copa de 2014 são alguns dos reflexos da corrupção


Diante de dezenas de pacientes sobre macas e seus acompanhantes, um enfermeiro do superlotado Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá fazia uma massagem cardíaca num idoso. Minutos depois, por volta das 8h15 de sexta (29), ele foi declarado morto.

"Esses políticos tinham de amar mais as pessoas que estão no hospital em vez de pegar dinheiro pra comprar fazenda", disse, sob condição de não ter o nome divulgado, um ajudante-geral de 51 anos, filho do idoso morto.

Nos dois dias em que o pai ficou internado com pneumonia, não houve abertura de vaga para ele na UTI, conta. Na sua última madrugada, os enfermeiros precisaram pedir equipamento emprestado de outra unidade para entubá-lo.

O ajudante-geral afirma que não há cadeiras suficientes para os acompanhantes. O piso da ala para pacientes mais graves está descolado, e as privadas do banheiro, sem tampa, estão à vista de todos –não há porta nos boxes.

O caos na saúde tem sido apontado como o principal reflexo das centenas de milhões de reais desviados em Mato Grosso nos últimos anos, mas está longe de ser o único problema de gestão pública.

Na capital, a população convive diariamente com quilômetros de trilhos abandonados do VLT, obra da Copa que já consumiu R$ 1,066 bilhão. Desse total, R$ 18 milhões são propina, segundo delação premiada do ex-governador Silval Barbosa (PMDB), homologada em julho pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Ao todo, o grupo de Barbosa desviou cerca de R$ 1,03 bilhão, segundo levantamento da Controladoria-Geral do Estado baseado nas informações da delação. É o equivalente a quase oito anos de orçamento do pronto-socorro, que custa cerca de R$ 11 milhões/mês.

"O Estado hoje está enfrentando dificuldades gravíssimas", diz o procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, Mauro Curvo. "Elas vêm da roubalheira, do endividamento das obras da matriz da Copa e da gestão. Só não é pior porque, por mais que haja recessão econômica, a arrecadação total não cai por conta do agronegócio."

O prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (PMDB), é um dos sete políticos que aparecem recebendo dinheiro em vídeos gravados por Sílvio Corrêa, então chefe de gabinete de Silval, que governou o Estado de 2010 a 2015.


Mensalinho

Todos eram então deputados estaduais e ganhavam um "mensalinho" para votar com o governo, segundo depoimento do ex-governador, em prisão domiciliar após passar um ano e oito meses na prisão.

Um mês após a divulgação dos vídeos, Pinheiro, que na gravação guarda maços de dinheiro no paletó, continua no cargo. O ministro do STF Luiz Fux negou pedido do Ministério Público Federal para afastá-lo, e a maioria dos vereadores abortou a abertura de uma CPI dois dias antes de o prefeito autorizar um repasse de R$ 6,7 milhões à Câmara Municipal –a Justiça anularia mais tarde a operação.

Nenhum dos flagrados em vídeo admite que o dinheiro tinha origem ilícita. Tampouco explicaram a origem e o destino. Todos estão em liberdade. Um deles, o ex-deputado do PT Alexandre César, afirma "sentir vergonha" das imagens, mas se negou a explicar por que recebia os maços.

Questionada sobre por que continua na Prefeitura de Cuiabá, a secretária municipal da Saúde, Elizeth de Araújo, diz que "o fato que a imprensa veiculou aí nada tem a ver com a gestão atual e com o exercício dele enquanto prefeito"."Acredito na responsabilidade do prefeito com a saúde pública. Por isso, permaneci", disse por telefone.

Para Araújo, os motivos da superlotação do pronto-socorro são os crescentes problemas dos hospitais públicos estaduais do interior, o deficit de 590 leitos na cidade, o aumento da procura pelo SUS e os constantes atrasos de repasses pelo governo estadual.

Segundo Curvo, o Ministério Público estadual está de mãos atadas para agir porque o STF ainda não compartilhou a delação premiada. Ele disse que pediu audiência a Fux para tratar do caso, mas ainda não teve resposta.

"Se é pra jogar pra plateia, a gente podia ter pedido providências no dia seguinte ao vídeo. Só que lá na frente a gente pode ter isso que está aí enfraquecido por determinada situação."

Chamada de "monstruosa" por Fux, a delação de Barbosa gerou o segundo maior processo em andamento no STF em número de envolvidos e em tamanho do desvio, atrás apenas da Lava Jato. Em meados do mês, o ministro determinou o afastamento de cinco conselheiros to Tribunal de Contas do Estado (TCE), acusados de receber R$ 53 milhões em propinas.

O escândalo envolve o ex-governador de Mato Grosso e hoje ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP). Barbosa acusa o antigo aliado de ter criado o "mensalinho", entre outras irregularidades –o que Maggi nega.

"Mato Grosso está sendo passado a limpo", diz Elda Mariza Valim Fim, da ONG Moral. "Até as pedras da calçada sabiam da aprovação de contas de corruptos pelo TCE e do recebimento de mensalinho pelos deputados."

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