A sociedade e a ética do Advogado
ARTIGO
Todo ser humano possui vocação imanente de viver em sociedade. Aristóteles já observara que o homem é um animal político, que nasce com a tendência de viver em sociedade. O jusfilósofo Francisco Uchoa sustenta que cada homem tem necessidade dos demais para sua conservação e aperfeiçoamento (e acrescento orientação), pelo que a sociedade não se forma artificialmente, sendo uma necessidade natural do homem ¹. Ao se contemplar o panorama de um agrupamento social verifica-se a revelação, aos olhos do observador, os homens com suas necessidades, os seus interesses, as suas pretensões e seus conflitos. E, para gravitar em torno das suas necessidades e interesses, “não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração”. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. (Vinícius de Moraes). E é difícil a definição do limite dos interesses, das necessidades do homem frente o respeitar a ética.
Robison Baroni sobre a ética profissional espelha: “A ética é gerada num contexto de relação intersubjetiva, no contexto do reconhecimento recíproco entre sujeitos. Contudo, o mundo contemporâneo vem se caracterizando por um tipo de relação que nasce do confronto do homem com os objetos. E este tipo de relação (homem x mundo) alcançou uma hegemonia tal, a ponto de conquistar a primazia dos tipos de relação possíveis do homem com aquilo que está fora ou é diferente de si. De modo que a relação do homem com Deus tornou-se algo de foro íntimo, a respeito da qual o sujeito não deve satisfação a ninguém, e portanto deve ser restringida ao universo de sua intimidade. As repercussões sociais deste tipo de relação foram minimizadas e compreendidas como originárias de algum tipo de imaturidade intelectual ou irracionalismo. E a relação do homem com os outros sujeitos destituiu-se do caráter virtuoso da amizade aristotélica para ir se configurando como uma relação do homem com os objetos. Daí que a ética encontra-se sem o seu solo originário. Um mundo orientado pelos critérios da utilidade, do lucrativo, do consumível, da eficácia, esterilizou o solo sobre o qual a ética deve surgir, a saber, o solo do espaço intersubjetivo, da relação entre sujeitos, agora regida pelos critérios da utilidade, do lucrativo, da produtividade...De forma muito prosaica, pode-se ia dizer que a ética está órfã ou, ainda, que ela se encontra numa situação de atopia.
O momento é delicado para o enfrentamento da ética em face dos relacionamentos entre os profissionais do direito (advogados) e os clientes. O respeito à ética passou a ser objeto de invocação de todos os segmentos sociais. Na advocacia, este enfrentamento constitui de muito o alicerce da profissão, que experimenta uma reação de descrédito, pelo fato de alguns advogados atuarem de modo deficiente em razão da ética. E a situação é tão agravante que o Ex-Presidente da Seccional Paulista da OAB, Dr. Luiz Flávio Borges D´Urso, expressou em nota a instauração de comissão de sindicância para apurar desrespeitos aos princípios éticos dos advogados que defendem Suzane Richthofen, pois instruíram sua cliente a mentir, defendendo-se os advogados que provarão ‘’que sempre atuaram dentro da ética profissional, não forjando, nem produzindo qualquer prova”. Entende, com razão, Roberto Busato (Ex-Presidente da OAB) que “o advogado deve ser absolutamente leal dentro de suas relações com o processo, com as partes e com seu cliente”. Sem dúvida que orientar o cliente é dever do advogado, mesmo porque lhe é outorgada procuração e celebra contrato de honorários com esta finalidade. Entretanto, forjar provas, documentos, orientar testemunhas, convencer seu cliente a fingir que chora, orientar conduta ou comportamento violando o dever de lealdade e boa fé, inclusive para impressionar a plateia e ser digno de piedade, estimulando-o a deturpar fatos, faltar à verdade, viola, sem embargo, o código de ética. Ressalvado observar que, não se trata de ofensa à ética orientar para que fique em silêncio, porquanto constitucionalmente ninguém é obrigado a se auto-incriminar ou produzir prova contra a si próprio. Para o advogado Antônio Ruiz Filho não há quebra da ética, porque a orientação ², “para uma entrevista faz parte de um conjunto de providências que o advogado tem de tomar na condução da defesa”.
Efetivamente, se o advogado instruir seu cliente a faltar com a verdade, nitidamente falta de verdade e, não, a verdade que o cliente conta, neste caso contraria aos princípios da ética. Neste sentido, segundo o Ex-Presidente da OAB de São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso, o advogado trabalha com a defesa “da verdade do cliente”, “não se tratando de mentira, mas de trazer uma verdade que é da parte ³”.
A mentira, segundo D’Urso, é uma questão “muito subjetiva”. “O que é mentira?”. O advogado não trabalha com ela. Ele trabalha com a verdade trazida pelo cliente. É a mesma situação quando você escapa dos limites do processo. É aquela célebre frase: “O que está nos autos não está no mundo. Pode ter um dado importante no julgamento da causa que, se não constar no processo, nada vale”.
“O que importa é a verdade do processo”. Disse não acreditar que um advogado oriente seu cliente a mentir. “Advogado não fala isso”, afirmou.
“Eu não concordo com a expressão mentira. A verdade trazida pelo cliente e trabalhada por seu advogado poderá sofrer uma orientação no sentido do réu trazer uma expressão de um sentimento. Muitas vezes, o advogado diz para seu cliente ir à audiência com paletó e gravata, ou cortar o cabelo, fazer a barba, enfim, se apresentar melhor. Nesse tipo de orientação não há nenhum problema ético. Pelo contrário, está dentro dos limites de orientação de como o cliente deve se apresentar adequadamente à justiça”. “Ás vezes, a captação da realidade de alguém pode ser completamente diferente por parte do outro”. “O advogado tem o dever de trabalhar dentro dos primados éticos e legais, e dentre eles a honestidade, sem dúvida nenhuma. Qualquer outro avanço na interpretação disso, estaríamos nos avançando a fazer um juízo de valor sobre o caso”.
De vero, o advogado não deve afastar-se dos limites da ética e da verdade factual, quando oriente seu cliente. Os postulados éticos limitam a atividade profissional e um deles é o de não cultivar a arte de faltar com a verdade. Segundo Rui Fragoso “a necessidade financeira e a mentira não poderão jamais nortear o rumo da defesa ou o trabalho do advogado ?”, isto tanto no cível como no crime, pois a mentira não é virtude, nem arte, não precisando o advogado quebrar os postulados éticos do compromisso com a moral, com a ética de velar pela verdade, não contribuir para deturpar os fatos, nem preparar sua defesa no cível, ou no crime, afrontando os postulados éticos da verdade real, lealdade, da probidade processual, evitando a litigância de má-fé, inclusive, a prática de atos protelatórios. Naturalmente que o preparado advogado não se envolve na arte de mentir.
“O Prof. Ruy Azevedo Sodré (O Advogado, a regulamentação e a ética Profissional, p. 11) ensina que ética é ciência porque cria e consagra os princípios básicos da conduta, costumes dos homens; e assinala que também se constitui em arte que é a maneira de praticar tais princípios, convertendo-se na realidade da vida. Pedro Nunes, no Dicionário de Tecnologia Jurídica, registra que ética é a ciência que trata da moral e dos costumes humanos, do modo de proceder do indivíduo, consentâneo com os princípios deontológicos dentro do grupo social ou da classe a que pertence. De Plácido e Silva, no seu Vocabulário Jurídico, define ética como a ciência da moral. Georges Ripert mostra a afinidade das questões de direito com a lei moral, assinalando que aquele é dominado por esta e observa que talvez descobrindo-se o caráter moral na regra de direito melhor se compreenderá a evolução das ideias jurídicas (La Régle Morale dans les Obligations Civiles, “introdução”, pp. 1-2. Também Savatier aborda o assunto examinando a violação de um dever moral determinado, o descumprimento de uma obrigação moral de fazer ou de não fazer; e se isso não prejudica a outrem, detalha a matéria nos números 27 e seguintes do mesmo volume, onde cuida da violação involuntária de um dever moral objetivo (Traité et la Responsabilité Civile, vol. I, p. 8, nº6, 2 º)”.
Convém lembrado que, até mesmo no crime (a defesa criminal é uma imposição constitucional), o advogado reconhecendo que o autor do fato é o culpado, ainda assim não deve mentir, violando o código de ética. Para tanto, não deve maquinar sua defesa, mas lutar por uma pena justa.
Apesar de a lei e do dogma ético de que o advogado mantenha sigilo profissional, no entanto lhe é defeso orientar o cliente para depor deturpando os fatos e negando verdades incontestáveis sob pena de abuso do direito de defesa.
Demais disso, é de não compactuar com a conduta do cliente que esteja flagrantemente mentindo. Antes de tudo, o advogado tem o dever de velar pela sua reputação e pela sua imagem pública. Maquinar e orientar os depoimentos constituem, sem dúvida, atos flagrantemente violadores da ética, no que estará extrapolando os seus limites.
E se, o cliente resolve conduzir-se no processo com mentiras e distorções, o advogado deve renunciar o mandato (art. 112 § 1º e 2º do CPC), para não mostrar conivência.
De modo que, procedendo contra os postulados da ética, como ensinar a mentir, orientar depoimentos do autor do fato (criminoso), das testemunhas e outros partícipes do processo, bem assim, conduzindo-se, da mesma forma no cível, as punições aplicadas poderão consistir em censuras, suspensões, multas ou até exclusão.
Os Conselhos Federal e Estaduais da OAB têm sido implacáveis, em questões de falta de ética, aplicando sanções para todos os casos denunciados, com o rigor merecido. A OAB está alerta para os limites da ética. Esta é a palavra de ordem.
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